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Duas Cavernas 01/06 >> 01/07/17

Duas Cavernas

01/06 >> 01/07/17
01/06 >> 01/07/17
Rodrigo Andrade
Duas Cavernas
Sobre

Um dos mais importantes pintores da geração 80, Rodrigo Andrade expõe, de 1o de junho a 1o de julho, sua produção mais recente na Galeria Millan. Duas Cavernas ocupa os dois espaços da galeria na capital paulista, contemplando as principais vertentes trabalhadas intensamente pelo artista nos últimos meses. Conhecido por sua capacidade de mudar radicalmente o rumo de sua produção, em busca de novos caminhos de pesquisa, Andrade vive um momento de maior síntese, em que os vários percursos trilhados em 33 anos de carreira parecem confluir para uma maior interação. E cria, com essa exposição, uma interessante interface de diálogo com a grande mostra retrospectiva de sua obra, que ocorre no final do ano na Estação Pinacoteca.

Ao todo a mostra reúne 30 telas, que se organizam em torno de três eixos principais: as paisagens, inspiradas em sua grande maioria por obras clássicas assinadas por mestres como Ruysdael, Uccello e Bellini (que ocupam o espaço da galeria); as pinturas abstratas, chamadas de Bilaterais, formadas por dois grandes campos cromáticos em equilíbrio (exibidas no anexo); e, como fiel da balança – por trazer questões familiares aos dois grupos anteriores – uma série de trabalhos recentes, apelidados de “figuras binárias”. Trazendo sempre duas figuras, que podem ser mais ou menos abstratas, essas obras lidam sempre com a ideia do duplo, do reflexo, aspecto bastante presente em toda a produção do artista. “Isso acabou constituindo uma estrutura no meu trabalho. Eu me entendo no par”, explica ele.

Algumas dessas figuras binárias são mais figurativas e possuem aspectos que remetem ao universo dos cartoons ou a referências da história da arte (é o caso das telas Fera e Princesa, em diálogo evidente com São Jorge e o Dragão, de Uccello, e Bicho e Pedra, depois de Neves Torres, uma abstração feita a partir de um trabalho do autor citado no título). Outras mais indecifráveis, como a gigantesca pintura mural, de 6 x 11 metros, que Andrade fez numa das paredes do anexo: “Uns dizem que são homens de capuz, outros que são animais marinhos”, brinca o pintor, revelando que na verdade são as tais cavernas que dão nome à exposição.

As grutas, catacumbas e rochedos, temas pitorescos do século XIX, encantam o artista há tempos e ele vem colecionando imagens do gênero desde 2010 e reelaborando pictoricamente esse motivo, até chegar no estágio atual. Seu fascínio não decorre de conotações filosóficas e poéticas. ”É um oco que eu vou pintar com uma matéria positiva, uma matéria em relevo. Essa situação espacial é perfeita para mim. Todas as outras conotações que podem vir, que venham”, explica.

Tanto as cavernas como seus outros trabalhos são corpos volumétricos, se projetam para além do plano, conquistam o espaço. Para lidar com as massas de tinta – num tipo de trabalho que remete às pinturas com formas geométricas feitas por ele nos anos 2000, e que acabaram se tornando uma espécie de assinatura artística – Andrade lança mão de máscaras, moldes cuidadosamente desenhados no processo de recortar. ”É o momento do desenho”, explica o pintor, contando que agora não trabalha mais com projeções nem com uma fonte fotográfica pré-existente, como fazia nas primeiras paisagens. Às vezes recorre aos grandes mestres, mas numa interpretação muito pessoal. No entanto as cenas mais recentes, como Pântano ao Luar, são inteiramente imaginárias, num lento processo de elaboração mental até que a pintura ganhe corpo. ”É como se eu ficasse treinando para um salto triplo”, exemplifica o artista.

No lugar do pincel, que utiliza apenas nas paisagens, aparece o rodo de silkscreen, usado para espalhar a tinta com grande precisão. O risco, o apego pela ação num número reduzido de gestos, que parece sempre fazer parte do processo de Andrade, ganha uma dimensão ainda maior nas Bilaterais. Sua estrutura é extremamente simples: duas massas densas de cor, espalhadas praticamente num único golpe de rodo, que se imantam (novamente num equilíbrio dual) e colidem no centro da tela formando uma espécie de crista. Há muito de acaso e de fatalismo. Mas há também um cálculo preciso, uma vagarosa escolha das tintas – muitas vezes sobras de outros trabalhos – e sobretudo um retorno às bases da pintura. “Senti falta de forma e de cor”, conta Rodrigo. E acrescenta: “Há muitos anos não tinha um embate tão intenso com a pintura”.

Declaração significativa para quem se dedica há mais de três décadas ao ofício, passando por diferentes fases e radicais mudanças nesse processo de experimentação. Desde os primeiros anos, quando seu trabalho e o de outros companheiros – reunidos no ateliê Casa 7 – ganhou projeção ao participar da 18a Bienal de São Paulo, várias foram as mudanças radicais em sua produção. A última delas ocorreu em 2010, quando Andrade – que vinha fazendo um trabalho fortemente abstrato – surpreendeu o circuito com as paisagens negras, imateriais, feitas a partir de registros fotográficos, que mostrou na 29a Bienal (2010). Agora, além de uma enorme vitalidade e de um retorno em busca a uma maior presença da cor e da forma, o artista parece mais disposto a trilhar caminhos paralelos, descobrindo em cada um deles elementos para nutrir sua pesquisa.