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Pálpebras 19/10 >> 12/11/16

Pálpebras

19/10 >> 12/11/16
19/10 >> 12/11/16
Tunga
Pálpebras
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Tunga, um dos mais potentes criadores da arte contemporânea brasileira, morreu precocemente em junho passado, aos 64 anos, deixando pronta aquela que seria a sua próxima exposição. A Galeria Millan dá continuidade aos planos do artista e inaugura em seus dois endereços, a mostra Pálpebras, reunindo um conjunto de trabalhos inéditos ou pouco vistos no Brasil. 

Na sede da Galeria Millan poderão ser vistos os Phanógrafos, peças derivadas do série Cooking Crystals (2010). Pouco exibidas desde então, são caixas que servem como recipiente, ou suporte, para assemblages de diferentes objetos e materiais, como garrafas, cálices, âmbar, pedras ou elementos escatológicos. Objetos que, segundo Tunga escreveu, têm “algo de talismã, se configurando como uma lamparina”.

“Certamente não será uma mera exibição de peças. Nós estamos elaborando os espaços de forma a potencializar ao máximo a mostra. O trabalho de Tunga estará na atmosfera e não apenas fisicamente em suas criações”, explica André Millan, que há exatos 30 anos, em 1986, realizou a primeira exposição do artista pernambucano em São Paulo.

No Anexo Millan, novo espaço inaugurado em 2015, será exposta a série Morfológicas, esculturas orgânicas que remetem ao corpo, sensuais, por vezes surreais e muitas vezes eróticas – lembrando vulvas, glandes, línguas, bocas, dedos e seios – que se originaram de outros conjuntos de trabalhos (como na série From la Voie Humide, de 2014) mas nunca foram mostradas independentemente no Brasil, mesmo que respeitando sua posição um tanto indefinida entre estudo de forma (como indica o próprio título) e obra acabada.

Inicialmente eram só pequenas peças em cera moldadas à mão, que foram ganhando versões um pouco maiores (de 30 a 60 cm), em bronze ou barbotina (um tipo de cerâmica líquida). Um desses projetos começou a ser confeccionado em grandes dimensões para a Feira Internacional de Arte Contemporânea (FIAC), em Paris. A peça, intitulada A Seus Pés, tem sete metros de altura e – como é usual em seu trabalho – é composta por diferentes partes. O elemento central é uma forma roliça e longa, com unhas em cada extremidade, como se fossem dedos que apontam para lados distintos. Um deles está “grávido”, como se gerando as vagens que dele pendem.

Se o processo de montar a última mostra idealizada por Tunga é rico e intenso, é também muito doloroso, diz Fernando Sant’Anna, seu assistente, amigo e diretor de produção por longos 15 anos. Ele lembra que a parte que o artista mais gostava era esse momento final de montar a exposição. “Faço isso por ele. Seria muito injusto o público não ver”, afirma, relembrando que a mostra já deveria ter ocorrido ano passado mas a evolução da doença inviabilizou o projeto.

Não se trata, de forma alguma, de uma tentativa de síntese ou de olhar retrospectivo, mesmo porque no caso de Tunga a noção de retrospectiva não parece fazer sentido. Afinal, seu trabalho parece marcado por um retorno cíclico a um manancial de elementos, físicos e psíquicos, que ressurgem de tempos em tempos, transfigurados em diferentes leituras.

Um dos aspectos mais marcantes da produção do artista é a sensação de incompletude que ela gera no espectador. Diante de seu trabalho temos a impressão de que estamos diante de vestígios de algo que já ocorreu. É como se interagíssemos com fragmentos de alguma história ou ação passada, seja pelo caráter instável de seus arranjos, que permitem infinitas possibilidades de reagrupamento, seja pelas várias camadas de leitura que se sobrepõem, criando um hipnótico enigma.

Esses mesmos ecos temporais se fazem sentir nas obras mais recentes. Mesmo que em vários momentos assumam um caráter mais escultórico, os aspectos centrais de seus mais de 40 anos de produção – período no qual Tunga flertou com o surrealismo, se avizinhou da arte conceitual e muitas vezes pareceu agir mais como um xamã ou cientista – estão novamente presentes.