MENU
Pinturas da Era do Absurdo 04/03 >> 03/10/20

Pinturas da Era do Absurdo

04/03 >> 03/10/20
04/03 >> 03/10/20
Rodrigo Andrade
Pinturas da Era do Absurdo
Sobre

Criaturas Ornamentais

Oriundas do arabesco, essas criaturas nasceram em tramas e padrões ornamentais, mas só passam a ser quando se destacam dessas tramas, tornando-se unidades corpóreas autônomas, figuras soltas no espaço. E logo conectam-se entre si, pois é impossível existirem sozinhas. Precisa haver, no mínimo, um par. Um par de elementos formam uma unidade. Unidade que é, portanto, uma relação entre formas, figuras, coisas, seres. Essas criaturas polimórficas teimam em parecer coisas e seres à minha revelia! Sejam do reino vegetal, do reino animal ou mesmo do reino dos símbolos, como naipes de baralho e colunas do Niemeyer. Quando percebo a semelhança já se instalou. E fiel a um certo princípio, eu aceitei todas essas aparências, sem julgar sua possível deselegância, vulgaridade ou idiossincrasia. Que pareçam o que for! Como puro significantes que são, se prestam a significar qualquer coisa, o que me parece condizente com sua natureza. Natureza sintética, diga-se. São frutos de uma síntese mental, imaginativa. E manual também. Ideia - mão - matéria - forma. Síntese formal, espacial e cromática. Síntese onírica e não se fala mais nisso… Simétricos como organismos vivos, sendo tão simples parecem amebas ou divisões celulares, e tendem ao espelhamento. Seres simétricos refletidos por espelhos.  Talvez assim se reproduzam. Um casal de seres unilineares simétricos duplicados num espelho, como no vídeo animado “Dança Cosmogônica”. Tendem também a se conectar entre si, como sinapses nervosas, em agrupamentos axiais. 

Alguns desses agrupamentos, por  sua vez, num estágio mais avançado da evolução dessa espécie, formam figuras únicas, como na série “Homenagem ao palhaço”, que lembram um Arcimboldo, pintor do século XVI, psicodélico abstrato feito de um punhado de recortes planos oriundos de um arabesco imaginário pseudo arquetípico, organizados num rigoroso sistema cromático de três ou quatro cores em que o maior desafio é vencer a força centrípeta do tirânico quinto elemento central, um maelstron que tudo engole… São habitantes de paredes, muros, telas, superfícies planas. Entre as tantas aparências que assumem, uma destacou-se: o pixo. Assim que reconheci, com prazer, a semelhança, as criaturas foram, como Zelig, se tornando mais parecidas com a tipografia estilizada das tags, e se já tinham se expandido num fluxo helicoidal pelas paredes das escadarias da Casa do Povo, agora quiseram conquistar os muros da cidade.  E quis o destino que eu conhecesse o artista Link e fizesse uma parceria com ele, e assim essas criaturas puderam se desenvolver nos muros longínquos de Cidade Tiradentes, enfrentando crocodilos, chapiscos e blocos sob o sol inclemente de dezembro. E as criaturas unilineares tornam-se grandes répteis cascudos. De volta às telas, nova síntese, e da rua vêm a tinta látex acrílica, o rolinho de três e a tag. E assim o ornamento torna-se um pouco linguagem escrita.  Um alfabeto ornamental… Como o beabá, começam traçando uma linha no papel, bem como nasceram essas criaturas: de balbuciantes linhas arabescas. 

A distância entre uma ideia e o traçar uma linha é a menor que existe entre uma ideia e uma forma. Uma linha realiza um desenho em poucos segundos,  e em poucos minutos você pode fazer vários desenhos, e numa tarde você desenvolve um sistema de desenho. Quando pensamento e linha se conectam, o processo fica muito rápido, e todas as variantes podem ser experimentadas. E a certa altura, ainda no começo do processo, me dei conta que tinha mais de mil desenhos! E que entre a monótona repetição de temas com suas variações havia algumas ótimas ideias, claras e distintas. Uma mina de ouro. A impureza das linhas traçadas por reflexo dá um brilho e uma dignidade bruta aos desenhos, mas para sua plenitude era necessária uma depuração. Os desenhos  foram como ensaios. A apresentação é na forma de monotipias em óleo sobre papel arroz, em duas ou três cores, traçadas em finas linhas de tinta a óleo numa miríade de cores, onde os mil desenhos foram depurados numa prática que resultou em cem monotipias. É a base dessa exposição. Senão a origem, o grande salto evolutivo desses grandes répteis ornamentais.

Rodrigo Andrade