Para a SP-Arte: Rotas Brasileiras, a Millan apresenta uma seleção de artistas que nos impele a olhar os diferentes trânsitos que constituem as artes e a cultura brasileira. Apresentamos artistas que dialogam com uma tradição da Arte Moderna brasileira e avançam nos debates pictóricos, escultóricos e temáticos postos por ela, contribuindo também para alçar a arte nacional a um patamar global e estabelecendo novos fluxos de trocas e antropofagias. Junto deles, também estão em exposição obras de artistas que atravessam as operações da arte contemporânea com técnicas ancestrais, cosmovisões e suas próprias vivências e territorialidades. Essas produções abrem caminhos para o protagonismo de saberes até então ignorados, proporcionam novas óticas para nossa história e vislumbram novos trajetos possíveis. Com artistas do Norte, Sul e Sudeste do país, em diferentes pontos de suas trajetórias, as obras em exposição nos lembram a diversidade de culturas e expressões em todas as regiões do território brasileiro.
Operando no encontro entre os campos da arte contemporânea, da arte dita popular, do ritual e das práticas cotidianas, artistas como Jaider Esbell, Gustavo Caboco e Lidia Lisbôa alargam os limites das artes contemporâneas e desestabilizam as hierarquias entre saberes, escolas e tradições, de gênero e entre regiões geográficas. A produção destes artistas avança sobre as pesquisas postas pelo modernismo na medida em que questionam esse legado e partem da auto-representação das culturas indígenas e afro diaspóricas, apresentando visões não totalizantes das culturas brasileiras e apontando urgências como a preservação dos biomas brasileiros e as lutas por direitos das populações indígenas, negras e das mulheres.
Produções como essas nos mostram a multiplicidade de linguagens e rumos possíveis na arte contemporânea quando referenciais de outros universos são incorporados ao meio artístico. Entre elas, Nati Canto, ao utilizar técnicas e materiais da culinária, cria objetos que se localizam entre pintura, escultura e instalação. Entrecruzando as experiências com arte e com a gastronomia, a produção da artista leva a refletir sobre a importância simbólica e sensorial do ato de cozinhar e comer, bem como da digestão em nossos corpos.
São parte desses exemplos também as obras de Emmanuel Nassar, Lais Myrrha e Vanderlei Lopes, que questionam símbolos e representações de uma suposta arte nacional, tendo em vista os pontos cegos dos projetos de modernização e apontando questões sociais, geopolíticas e ambientais emaranhadas nessa história. Sem deixar de lado as pesquisas sobre a própria pintura e escultura, mobilizando em suas práticas debates intrínsecos ao fazer artístico.
Nesse sentido, Arena (2019) de Vanderlei Lopes, enlaça debates sobre mimese, representação e ficção com um olhar crítico à História brasileira. Sobre o toco e raízes do que certamente foi uma enorme paineira, agora apresentada em bronze patinado, se abre uma arena circular. A obra cria um local privilegiado para assistir às disputas históricas pela extração de recursos naturais e pela imposição do espaço urbano sobre a natureza – causas do desmatamento e degradação de biomas naturais – assim como o palco de debates e assembleias, remontando a arena como espaço de realização da democracia. Igualmente, a obra remete às partidas de futebol, esporte emblemático na sociabilidade e cultura nacionais, mas não isento de embates sociais e econômicos.
Debates ambientais e sobre a imitação do real pela arte também são suscitados pela obra de Henrique Oliveira. Com uma variedade de materiais, o artista cria esculturas, objetos e instalações que se assemelham a troncos de árvore com formas que remetem à arquitetura, nós e fitas de Möbius. Na experiência com seus trabalhos há um estranhamento entre materialidade e forma, ao mesmo tempo em que, através do jogo de escalas, se questionam as relações entre humanidade e natureza.
Nassar, em sua consagrada trajetória, expande as possibilidades do suporte bidimensional e combina à tradição artística elementos – e objetos – da cultura popular, com uma produção que, ao mesmo tempo, denuncia a precariedade e reconhece as soluções singulares advindas dela. Em franco diálogo com o Concretismo e Neoconcretismo, bem como o Pop e o Tropicalismo, sua obra alimenta de referencias da cultura popular a arte institucional e vice-versa.
Igualmente tensionando as diferentes valorações de culturas e matrizes de conhecimento, a produção de Vivian Caccuri se debruça sobre o som, a música e a história médica para contrapor narrativas coloniais. Em suas obras recentes, a artista destaca acontecimentos médicos e culturais desde a colonização das Américas a partir da agência de mosquitos, seres diminutos, mas que apresentam grande ameaça à vida humana. Com uma pesquisa também voltada a investigar as percepções física e social do som, a obra de Caccuri, ganha ainda mais atualidade ao balizar a relação humana com o indesejado zumbido dos insetos à visão estigmatizada da sociedade com os paredões de funk.
Com essa seleção de obras e artistas de diferentes regiões do país e em diferentes pontos de suas carreiras, a Millan, busca apontar as rotas que vêm se abrindo para a arte produzida em toda a extensão do Brasil, além de acentuar os diversos fluxos e caminhos traçados nas últimas décadas.