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The Armory Show 2021 09/09 >> 12/09/21

The Armory Show 2021

09/09 >> 12/09/21
Maya Weishof, Feliciano Centurión, Jaider Esbell, Thiago Martins de Melo, Miguel Rio Branco, Henrique Oliveira, Emmanuel Nassar e Tunga
09/09 >> 12/09/21
The Armory Show 2021
Maya Weishof, Feliciano Centurión, Jaider Esbell, Thiago Martins de Melo, Miguel Rio Branco, Henrique Oliveira, Emmanuel Nassar e Tunga
Sobre

A Galeria Millan apresenta o projeto Estruturas Epistemológicas, uma seleção de obras de nove artistas: Maya WeishofFeliciano Centurión, Jaider Esbell, Thiago Martins de MeloMiguel Rio BrancoHenrique OliveiraEmmanuel Nassar e Tunga. A partir do conceito de epistemologia, a proposta busca enxergar além dos cânones existentes da produção artística, apontando para outras organizações do fazer artístico consciente.

Epistemologia, conceito que questiona a origem e os limites do conhecimento humano, compreende a análise das relações que se estabelecem entre sujeito e objeto. No campo da arte, tal dualidade pode ser ancorada em múltiplas configurações, levando em consideração o percurso do trabalho de arte desde seu contexto de produção. Mediado por uma série de fatores que o legitimam institucionalmente, o trabalho de arte pode incorrer em ambos os papéis: ora sujeito, ora objeto. Este projeto explicita esta variação em cada trabalho apresentado, ainda que todos demonstrem como eixo comum uma intenção crítica epistemológica da arte.

Neste eixo comum, a noção de hegemonia, elaborada por Antonio Gramsci, aparece como ferramenta fundamental e traduz-se em um longo processo histórico e cultural no campo do exercício do poder. Em suma, a ótica crítica de Gramsci ao processo hegemônico deve-se a seu efeito condicionante sobre todo o bloco social a partir de uma ideologia dominante. Desprovido de consciência crítica, o pensamento hegemônico resulta em um contraste entre o pensar e o agir e — se pudermos desenvolver em direção ao campo da arte — na narração de uma história da arte única e restrita.

Cabe ao pensamento crítico desconstituir esta unidade, ao criar narrativas contra-hegemônicas. Estruturas Epistemológicas busca investigar os paradigmas da construção desta história da arte, sem camuflar suas dimensões dominantes pré-concebidas, respondendo diretamente a elas.

Phanógrafo, de Tunga enuncia a questão inicial: é a obra decorrente da narrativa ou, ao contrário, a narrativa que decorre da obra? Neste trabalho, a história é o suporte do tempo imaginado e apresenta no tempo vivido um testemunho ou uma cena que comprova aquela história. Líquidos decantados de algum processo desconhecido estão ali armazenados em garrafas penduradas dentro de caixas acolchoadas. Estes indícios nos sugerem que, independentemente do fato, a história pode ser contada, revisitada e experienciada novamente.

Em paralelo, a prática de Thiago Martins de Melo demonstra uma escolha evidente por uma outra narração da história social e política brasileira na arte. Aqui, obra e narrativa são reciprocamente sujeito e objeto. Martins de Melo reúne diferentes crenças míticas e populares, histórias de culturas afro-brasileiras e indígenas, em direção à oficialização de uma história dos vencidos. Suas pinturas tridimensionais tornam-se palco para uma resistência do passado, ao passo que reivindicam a consciência de que a arte carrega em si a responsabilidade de narrar – e, com isso, disputar a narrativa.

O desvelamento de uma outra narrativa da história é também essencial nos trabalhos de Jaider Esbell. Veste de Parixara, Amamentação, Antes e depois do pesadelo, Casas de cura e Aqueles que andaram o mundo todo já anunciam em seus títulos que algo nos será contado. Esbell parte da noção de artivismo — neologismo conceitual que abrange tanto o campo da arte quanto das ciências sociais — para combinar pintura, escrita, desenho e performance a discussões entre narrativas míticas originárias e espiritualidade. Assim como Martins de Melo, seus trabalhos constituem uma outra epistemologia da história da arte, porque operam através da vivência de outra conformação.

Transitando entre a o filme e a pintura, a poética de Regina Parra projeta sua própria figura como objeto de estudo. Investigando os limites do corpo na representação, Parra cria um enredo a partir da identidade da mulher no contexto do tecido social e provoca um enfrentamento direto com relação ao discurso dominante. Ao tratar de temas como opressão, insubordinação e resistência feminina no campo objetivo, exibe em primeiro plano uma realidade subjetiva e interior.

Por outro lado, algumas reflexões epistemológicas da produção artística baseiam-se no diálogo direto com a história oficial e suas referências. Desta operação também podem-se determinar colocações contra-hegemônicas, na medida em que se apropriam da linguagem para refazê-la. Yellow shoes thinking of Max Ernst, de Miguel Rio Branco, é um diálogo direto com uma referência histórica, não somente pelo seu enunciado, mas a partir dos elementos constitutivos da imagem criada. Rio Branco estabelece uma relação dialética com a produção de Ernst: ao mesmo tempo em que se aproximam através da cor e das formas retratadas, estes mesmos aspectos, uma vez construídos na fotografia, reformulam de maneira única os elementos iniciais do artista alemão.

De maneira semelhante, Noite estrelada, de Maya Weishof, opera na mesma dimensão. Com título idêntico à canonizada tela de van Gogh, Weishof reformula um imaginário estabelecido conforme a adição de tons vibrantes e quentes e figuras excessivas, aludindo tão logo a um universo onírico que se apresenta quase que como o oposto da primeira pintura. Em Weishof, a experiência artística anuncia que o devaneio, a fantasia e o sonho podem ser livremente recriados, podendo transgredir as convenções da narrativa formal.

Em consonância com o trabalho de Weishof, EXLP17, EXLP16 e EXLP15, de Henrique Oliveira, habilitam o observador a uma experiência sensorial. Nesta configuração, a proposição de uma outra estrutura epistemológica encontra uma centralidade argumentativa na matéria. A conjunção de materiais e técnicas se emaranham em uma nova substância que escolhe sair da parede. A obra se projeta autonomamente no espaço e convida o pensamento tradicional a questionar-se sobre o enigma de sua técnica, material, suporte e classificação. Enfim, pode-se dizer que, ao desafiar categorias consolidadas, a obra se retira do espaço tradicional para criar novas propriedades para a experiência artística.

O artista paraguaio Feliciano Centurión cria em suas obras uma iconografia singular que envolve temas populares e domésticos, muitas vezes considerados prosaicos e de importância periférica. De outro lado, as soluções formais e os elementos nos trabalhos de Emmanuel Nassar também se aproximam do espectro do corriqueiro e do popular. Não à toa, Gramsci já apostava na construção de uma contra-hegemonia a partir das culturas populares.

A obra da série Mirada, de Centurión, e Arraial, de Nassar, apresentam um elemento central comum que faz parecer que o trabalho nos fita; é ele quem nos analisa. Nessa configuração, a obra é sujeito ativo; perante nós, convidados a assumir o lugar do objeto. Estes aportes, de Centurión e Nassar, desafiam as estéticas hegemônicas que categorizaram e priorizaram algumas práticas em detrimento de outras, com base em critérios de apresentações espetaculares, escamoteando uma variedade de técnicas. Seus trabalhos, no entanto, vão ainda além, ao tomar de assalto do espectador seu papel de fruidor, contrariando a normativa do trabalho de arte enquanto objeto inerte.

A sucessão discursiva tal qual a entendemos no curso da história da arte é, com efeito, um grande debate epistemológico. Nesse contexto, a tarefa de enfrentar tal debate na forma de contra-fluxo é também a construção de uma autonomia do pensamento artístico e constitui o eixo central deste projeto.