A pintura é uma arte silenciosa, e não é sem alguma violência que a fazemos falar. Para diminuir a culpa, recordo uma observação de Lorenzo Mammì. Comentando os canaviais que Paulo Pasta expôs bem no começo da carreira, na primeira metade da década de 1980, o crítico notava que, longe de uma adesão ingênua a um gênero pictórico tradicional, eles pareciam atender à necessidade íntima de verificar “se o mundo ainda está lá para ser pintado”. Essa atitude, feita de desejo e de dúvida diante das coisas, respondia pela complexidade precoce daquelas primeiras paisagens, que a seu modo já anunciavam muito do que viria em seguida. O afã de capturar as variações naturais de cor e luz na paisagem “lá fora” obrigava a um aprendizado dos modos de construção e das virtualidades da pintura “aqui dentro”. Começava assim um vaivém entre a forma (abstrata) e a imagem (das coisas) que não cessaria mais e que, mais tarde, responderia pelo que Mammì considerou o “núcleo fundamental” e maduro da pintura de Pasta – a saber, as séries das colunas, lápis e vigas: à beira da abstração mais extrema, elas atingiam simultaneamente “seu valor máximo de capacidade evocativa e densidade referencial”.[1]
E eis que, três décadas depois, as paisagens ressurgem na obra do artista. Não se trata, nem de longe, de um retorno nostálgico ou naïf à figuração. Basta contemplar esta nova série, toda ela em óleo sobre papel, para nos darmos conta da fatura refinada, depurada de quase todo desenho e confiada a um trabalho de pincel que provém diretamente de suas telas mais abstratas e sutis. É uma pintura estudiosa, que se formou na frequentação longa e paciente de nomes como Cézanne e Van Gogh, Morandi e Rothko – sem falar de brasileiros como Pancetti, Guignard, Volpi ou mesmo o “primitivo” José Antônio da Silva. Porém nada disso comparece como mera citação ou jogo formal. Fabricação não é, aqui, sinônimo de arbítrio. Agora como antes, Pasta quer unir “a pintura, a história da pintura” à sua própria “história e circunstância”. Foi a pintura que o “ensinou a ver as coisas”, como ele declarou recentemente, e é disso que, afinal, se trata: de criar uma “ponte” entre “o eu e o mundo”.[2] Voltar à paisagem significa, portanto, reatar com aquele momento fundador, de descoberta e de autodescoberta, para reativar ao mesmo tempo a experiência da pintura e a experiência do mundo. É certo que não estamos diante das coisas em si, das paisagem em si mesmas; mas temos em mãos estas fábulas, fábulas de uma paisagem possível, de um encontro de algum modo feliz entre a natureza e a história.
[1] Do ensaio “Paulo Pasta”, de 2006, recolhido em Lorenzo Mammì, O que resta. Arte e crítica de arte (São Paulo: Companhia das Letras, 2012).
[2] No texto que acompanha o ensaio visual “Encarte”, na revista Serrote 14 (2013).
São Paulo, Brasil
Paraty (RJ), Brasil
São Paulo, Brasil
Paris, França
Paris, França
São Paulo, Brasil
Seul, Coreia do Sul
Veneza, Itália
São Paulo, Brasil