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2024
Amilcar, vetor neoconcreto
Por
Antonio Gonçalves Filho

O artista mineiro Amilcar de Castro (1920-2002), um dos pilares da escultura contemporânea brasileira, ficou conhecido como inventor de uma técnica que, nos anos 1950, revolucionou a arte tridimensional brasileira: o corte e dobra, uma operação em que chapas de ferro retorcidas e dobradas interagem com o espaço para criar figuras geométricas.

A despeito de evocar um procedimento histórico dos suprematistas, que partiam do plano para conquistar a tridimensionalidade, essa operação se distancia da vanguarda russa do início do século XX. Foi somente na segunda metade daquele século que os artistas brasileiros retomaram as experiências dos primeiros construtivistas ­(e nesse movimento entra Amilcar com seu corte e dobra, transformando desenhos sobre papel em esculturas).

Escultor, gravador, desenhista, designer gráfico e professor, Amilcar tornou-se uma referência para artistas contemporâneos que seguiram essa trilha, aberta nos anos 1950, quando a linguagem abstrata ganhou tração no Brasil com o advento de uma geração marcada pela arte concreta e pelo desenvolvimento da moderna arquitetura brasileira, traduzida na construção de Brasília.

Formado como artista pelas mãos do pintor Guignard (1896-1962) e do escultor Franz Weissmann (1911-2005), Amilcar aprendeu com o primeiro a lição da irreversibilidade da obra escultórica, usando, em seu curso de desenho, o lápis duro, que inviabiliza qualquer tentativa de apagar o traço firme do grafite hard número 7.

De Weissmann, ele adotou o rigor da sintaxe construtiva e a síntese formal, mas restou uma diferença básica entre as obras dos dois, a despeito do pensamento estrutural que os unia. No caso de Weissmann, suas esculturas também partem do plano, mas têm como meta reproduzir o movimento de uma fita, como fez Max Bill (1908-1994). Na escultura de Amilcar, não existe sugestão de movimento. Prevalece a inércia, como se o tempo estivesse em suspensão.

De qualquer modo, foi o impacto de ver a obra Unidade tripartida, do suíço Max Bill, exposta na 1ª Bienal de São Paulo (1951), que levou Amilcar a executar sua primeira escultura construtiva, com a qual participou, em 1953, da segunda edição da mostra internacional. Mas, ao contrário de Max Bill, Amilcar incorporou outros elementos além dos formais que caracterizam o concretismo europeu (e sua adesão ao movimento neoconcreto, em 1959, reafirma seu compromisso com novos procedimentos).

Amilcar não busca exclusivamente uma solução plástica ao abolir a solda nas esculturas de ferro. Partindo de um plano, seja retangular ou circular, para interagir com o espaço e criar um objeto tridimensional, o artista evita repetir o procedimento convencional da escultura, de adicionar ou subtrair matéria. Em outras palavras, Amilcar foi além de Max Bill, ao incorporar nas peças a presença do tempo (no caso, a ferrugem das placas de metal) como atestado de sua ligação com a história e a natureza de Minas.

Embora a técnica do corte e dobra seja fundamental na obra do artista mineiro, ele trabalhou com outros materiais, entre eles a madeira, o vidro e o granito. As esculturas de madeira negra (baraúna) que produziu no fim da vida são obras menos conhecidas que as de ferro e aço corten, mas formam um conjunto que, ainda que pouco visto, é igualmente importante.

Essa inquietação experimental chamou a atenção não só no Brasil. Nome de referência da escultura internacional, o norte-americano Richard Serra (1938-2024) ficou deslumbrado ao ver, há dez anos, uma das obras da série corte e dobra no jardim da Casa da Gávea, sede do Instituto Moreira Salles no Rio de Janeiro. Identificando-se com a obra de Amilcar, Serra viu nele um novo parceiro que, não sendo minimalista, acreditava, porém, que menos é sempre mais.