Antes de o tempo existir, surgiu um pensamento — Kahtiri, a vida —, que ganhou forma de mulher, a grande avó. Ela, que pensou e continua a pensar a vida, criou quatro trovões que organizaram a matéria, e um quinto, feito à sua semelhança, o grande avô. Juntos, criaram o guia de todos os tempos e começaram a vida com a cobra grande e muitos peixes. Suas curiosidades desejantes inauguraram a vida dos animais da floresta.
Do desejo de povoar o mundo, surgiram os primeiros homens que receberam do grande avô ferramentas repletas de poder; seguiram acompanhados das duas primeiras mulheres, Amõ Numiã, que dão nome a esta exposição. Com a vida que sopraram em seus ventres, essas mulheres criadoras pariram dois dos mais importantes entes da ancestralidade Tukano, que originaram os povos, as línguas, as mirações e a organização da sociedade.
Este é um resumo de muitas histórias que ouvi, li, reuni e reelaborei ao longo de anos. Mais do que elementos de uma cosmovisão, são aspectos de uma Cosmopotência: narrativa em curso de um mundo que continua se autogestando. Por meio da visualidade, com cores e desenhos, vou tecendo diálogos com meus parentes, navegando na trama da cosmopotência e lançando flechas para que múltiplos modos de conceber a vida possam ser reconhecidos.
O que a cultura eurocêntrica nomeia como “arte” não possui equivalente no contexto do meu povo. O que produzo no campo da visualidade tampouco obedece aos parâmetros dessa categoria. As cores vibrantes e os padrões ritmados de Hori não produzem imagens figurativas ou abstratas, mas evocam a experiência coletiva de aspectos da existência que não se revelam ao olhar. Hori é a miração que se manifesta desde o parto do kahpi, a ayahuasca.
Ao evocar as Amõ Numiã, reflito sobre as transformações de nosso tempo que revela a destruição provocada por uma cultura misógina, racista, colonial e predatória. Nesta exposição, que começa e termina com as primeiras mães da criação, conecto imagens de outras mulheres de tempos primordiais. As mulheres indígenas carregam vozes que abrem caminhos e multiplicam relações. Nossas vozes ecoam um pensamento: vida, Kahtiri.
Añu.
Daiara Tukano
Meu nome tradicional é Duhigô. Pertenço ao clã Eremiri Hãusiro Parameri do povo Yepá Mahsã, mais conhecido como Tukano, habitante originário da região amazônica do Alto Rio Negro.
Porto Alegre, Brasil
Buenos Aires, Argentina
Cambridge, Massachusetts, EUA
São Paulo, Brasil
Rio de Janeiro, Brasil
Le Puy-Sainte-Réparade, França
Gwangju, Coreia do Sul
Instituto Tunga