aterrar-se na escuta.
Sem apresentação, vamos direto ao ponto: é que acabou-se nosso tempo.
O tempo de escuta acabou?
Cai por terra a ideia de ouvir. A escuta caiu na terra e plantaram ouvidos? Tentaram.
Ontem aterraram orelhas assustadas e hoje os canais consomem os ouvidos daquele som de dentro da semente do tucumã encerado no breu de abelha. Um som estridente, proibido ao ouvido do mundo, talvez dos mundos, onde a abertura deste som gera aprisionamentos em uma vida sem ouvir.
Está tocando, mas como é possível?
Essa ausência sonora produzida pelo som estridente do caroço desta fruta - e isto não é uma generalização - cria a noite e seus ecos: um som de espaço não-concebido, talvez o som da não-contemplação.
Isolamento. O som desamparado. Distanciamentos. São avisos apenas.
O som é alto e isola gentes das coletividades, mas por quê? “O trânsito”, falaram.
Não andamos sozinhos, nunca.
Mas a distância daquele percurso nas águas, os atravessamentos nos comas coloniais, onde a canoa dos antigos rema em direção a uma entrega segue firme:
a escuta.
Dissociada de uma justificativa, a entrega busca em seu fim a própria entrega.
Seria esse o diálogo com a escuta?
Mas é que acabou-se o tempo de ouvir. Acabou?
São avisos.
ouvir àterra
ou vir à terra
ouvir à terra
ou virà terra
Quando a terra firme adoece é tempo de fuga ou escuta desta terra? Tempo de plantar? Depressões e surtos flutuam. É que a terra aterra. Mas ela insiste em falar com mundo e com orelhas-sustos e todos os seus seres. Aquele som estridente do caroço continua instalado na noite e o canto do inhambu ainda me parece distante. Mas ainda, dia desses, ouvimos um eco em meio a tantas vozes: é que nesta conflagração a terra segue seu fluxo milenar de ser.
Mas aqui está em suspenso a ideia de reparação.
Onde é “aqui?”.
É que acabou-se o tempo.
Urgente: ouvir.
Milão, Itália
Porto Alegre, Brasil
Porto Alegre, Brasil
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