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2022
Paulo Pasta: entre a paisagem e a abstração
Por
Gabriel Pérez-Barreiro

Paulo Pasta é uma referência no meio da arte na sua terra natal, o Brasil. Seu trabalho é admirado igualmente por artistas, historiadores, críticos e colecionadores. Ele tem uma história prolífica de publicações e exposições pelos mais importantes autores e instituições locais. E, ainda assim, é surpreendente que esta exposição no Cecilia Brunson Projects seja sua primeira apresentação individual no Reino Unido. A obra de Pasta se caracteriza por um silêncio e uma introspecção notáveis. Ele não faz afirmações radicais que se encaixem com facilidade em algum dos eixos temáticos habituais no circuito internacional das exposições. Ele tampouco tenta explicar ou ilustrar o Brasil, ou qualquer outro tópico. Seu compromisso é antes de tudo com o seu meio, a pintura, o que torna sua obra inteiramente acessível, mas também enigmática.

A pintura, talvez inusitadamente, não é o meio dominante na história da arte brasileira. Isso criou um sentido de liberdade para os artistas que escolheram a pintura como linguagem e tema, desobrigados do ônus de carregar a mais refinada das belas-artes em seus ombros. No âmbito dessa sub-história dos “pintores dos pintores”, os ícones são Giorgio Morandi, Ben Nicholson, Alfredo Volpi, Alberto da Veiga Guignard, Maria Leontina, e outros para quem a pintura era mais um fim do que um meio. Ao libertar a pintura de seu papel tradicional como o termômetro das tendências da arte tout court, o artista pôde se concentrar nas questões inerentes ao meio.

Aproximar-se de uma das abstrações de Pasta é entrar num mundo em que tudo é ao mesmo tempo objetivo e totalmente relacional. Suas composições são criadas por meio de uma estrutura quase fria, de planos intercalados, mas a interação de cores é tamanha que elas geram uma vibração fascinante, o que torna a experiência de olhar para a obra sensorial, sedutora. O racional e o sensorial interagem sem atritos em suas composições.

Nesse diálogo entre razão e sentimento, Pasta está refletindo sobre um dos aspectos mais distintivos da história da arte no Brasil. Diferentemente de outros contextos nos quais a abstração foi sobretudo um exercício de racionalidade e redução, os artistas dos movimentos concretos e neoconcretos nos anos 1950 e 1960 no Brasil experimentaram com uma arte que era rigorosamente matemática na forma, mas que falava ao inconsciente em seus efeitos visuais. As obras de Luiz Sacilotto, Judith Lauand, Hermelindo Fiaminghi, Hélio Oiticica, Lygia Clark, e de muitos outros eram produzidas com formas derivadas da lógica, mas em arranjos que parecem tremeluzir, retroceder, vibrar, ou mudar de perspectiva diante de nossos olhos. O eminente crítico de arte Mário Pedrosa falou sobre a necessidade de “sensibilizar a experiência”, de entender que o olho é apenas parte de um aparato orgânico e psicológico, e não uma máquina calculadora. Nas pinturas de Pasta temos uma oposição equivalente entre razão e sensibilidade, entre o material e o intangível.

Se é que se pode falar de um tema nas abstrações de Pasta, ele é a cor. Cada pintura é uma composição cromática específica, afinada cuidadosamente para criar seu próprio universo sensorial. A relativa uniformidade de cada composição ajuda a enfatizar as alterações cromáticas, assim como Josef Albers usou quadrados sobrepostos para criar uma gramática da cor em sua série Homenagem ao quadrado. Quando olhamos para uma sequência de pinturas abstratas de Pasta, as ressonâncias na arquitetura formal das obras contribuem para realçar as diferenças cromáticas entre elas. Cada pintura é única em sua temperatura emocional. Um universo de relações.

Além de suas pinturas abstratas, esta exposição inclui uma seleção das suas paisagens. Pasta mantém duas práticas aparentemente contraditórias: uma que é inteiramente não figurativa, e outra que consiste em representações do campo no interior paulista, a região onde ele cresceu. Embora à primeira vista possam parecer universos diferentes e inconciliáveis, eles na verdade compartilham algumas características. Em primeiro lugar, a relação entre paisagem e abstração vem de longa data. Podemos pensar na trajetória de Piet Mondrian rumo ao neoplasticismo passando por abstrações crescentes da paisagem holandesa. O mentor de Pasta, Alfredo Volpi, desenvolveu um processo similar, e antes disso, temos os estudos de nuvens quase não referenciais feitos por John Constable e os “borrões” desenhados por Alexander Cozens, obras situadas no limite do não representacional. Na comparação com Mondrian, há um curioso eco entre as planícies holandesas e as vastas extensões de canaviais no interior de São Paulo – ambas são paisagens horizontais pontuadas por torres, moinhos de vento, postes de eletricidade, ou chaminés de usinas, criando o grid vertical-horizontal que marca a produção dos dois artistas.

A decisão de Pasta de manter – e constantemente alternar-se entre – duas práticas diversas, porém relacionadas, não é totalmente incomum na história da arte. Podemos pensar em Joaquín Torres-García, que continuou a pintar paisagens, naturezas-mortas e retratos ao lado da abstração geométrica, ou Theo van Doesburg, que manteve uma prática paralela como dadaísta sob o pseudônimo I.K. Bonset. No caso de Pasta, podemos relacionar os dois corpos de trabalhos pela alegria compartilhada no ato de pintar, e por sua escala cromática refinada e reduzida.

Outro aspecto importante da obra de Pasta é seu papel como professor e mentor de toda uma geração de artistas brasileiros. Uma das razões para que haja um grupo tão vibrante de jovens (e não tão jovens) pintores no Brasil hoje pode ser atribuída ao exemplo e ao ativismo de Pasta. Num país onde não havia um sistema formal de educação em arte, essa formação de artista-para-artista foi crucial, e Pasta fala com frequência da importância da pedagogia artística tanto em sua própria formação como em sua atividade como professor.

Esta exposição apresenta uma seleção de pinturas abstratas e de paisagens que oferece uma visão panorâmica da obra deste artista extraordinário. A decisão de misturar os dois gêneros no espaço e no catálogo foi intencional, com o intuito de explorar melhor as conexões e diferenças entre eles. Embora produzidos em linguagens artísticas diferentes e tradicionalmente opostas, o que estes trabalhos todos têm em comum é um profundo comprometimento com a pintura, com a arte, e com a importância de olhar e de prestar atenção.