A luz bate na beirada do rio, ilumina a cachoeira, abrilhanta a água e acende a rocha, pronunciando o rococó das pedras e das plantas. Reluzem os bichos todos: peixes, pássaros, cachorros, cavalos, gárgulas, dragões e outras feras sem nome. A incidência do clarão confunde fundo e superfície, mistura as cores, bagunça as texturas e dissolve os corpos uns nos outros. Nesse chiaroscuro aquoso — meio sólido, meio líquido — testemunhamos o mistério da criação e da transformação das coisas no mundo… Assim como sentimos algo mexer dentro de nós quando revoltam os afluentes do nosso intestino.
É sob essa aura que nascem as criações de Marina Woisky. De sua obra emergem aparições ambíguas, imagens-objetos que seduzem com um magnetismo enigmático, oferecendo visualidades insólitas e performando enganações que não permitem discernir o que é plano do que é relevo, o que é duro do que é mole, o que é seco do que é molhado. No manejo radical de certas imagens, a artista conduz um intenso processo de mixagem que envolve edição e impressão fotográfica, técnicas de costura, criação de volumetria por meio do preenchimento de tecidos com gesso e cimento e, por fim, banhos de resina e outros acabamentos. Ao tensionar os limites entre a fotografia, a pintura e a escultura, seus trabalhos habitam um espaço de transição entre a bi e a tridimensionalidade. No limbo entre massas amorfas e figuras discerníveis, incitam deslocamentos do olhar e sinestesias, conduzindo um jogo dinâmico que articula familiaridade e estranhamento e estimula nosso sistema sensorial e nossa capacidade imaginativa.
O ponto de partida e de chegada do trabalho de Marina Woisky é o ornamento como figura histórica, sua relação com a natureza orgânica, sua dimensão semântica e implicação emocional, ou seja, a carga energética de certos elementos cujo papel é permanecer às margens das narrativas. Adereços, adornos, enfeites: tudo aquilo que floreia o planeta, que dá liga ao desenrolar dos fatos sem se impor como componente nuclear no fluxo das histórias. Atraída pelas qualidades desses códigos visuais, a artista vai encontrando embriões estéticos a serem reprogramados, gestando-os de modo singular. As imagens recolhidas na internet, em livros e fotografias, e também retiradas de embalagens e tecidos estampados, são levadas a um espaço-tempo ideal. Despidas de seu sentido original, são desdobradas em outros contextos e lançadas em novas possibilidades existenciais. Ao simbolismo de sua gênese soma-se a complexidade material de sua nova corporificação. Surgem então criaturas e paisagens metamórficas sem natureza ou localização definida, compondo um repertório próprio, tão mitológico e simbólico quanto ornamental e decorativo.
Em Pedras e bichos d'água, sua primeira exposição individual, a artista toma como fonte primária de imagens a reformulação do barroco e de certas escolas asiáticas na cultura contemporânea, com especial atenção a certas ilustrações limítrofes de animais e a verticalidade nas representações de cachoeiras. Interessada pela transmutação da mágica que envolve esses seres e lugares quando inspiram objetos corriqueiros, Marina discute os meandros da produção imagética contemporânea, esmiuçando o estatuto estético da decoração, desde noções mais clássicas, passando pelo pastiche e pelo kitsch, até a cultura de massa e o advento digital.
O volume, o brilho e a tonalidade esverdeada conferem aos bichos certo encantamento, aludindo às representações simbólicas cravadas em pedras como jade e amazonita. Desse modo, aproximam-se da ecologia das paisagens em cascatas — oriundas de imaginários orientais — e sua atmosfera etérea, repletas de carpas e cisnes em movimentos imaculados. Essas cachoeiras aparecem no espaço expositivo como informação imagética e também comentário arquitetônico — ora como janela, ora como espécie de biombo, treliça ou cobogós. Trazem consigo a materialidade fascinante, a vitalidade biológica e o prenúncio sacro, isto é, o potencial espiritual desses lugares. A cachoeira revela-se como formação geológica, como oportunidade de banho, e como oratório.
Entre o conhecido e o inaudito, entre o rígido e o flexível, esses trabalhos-talismãs nos abrem para a descoberta planetária, para um passeio pelos continentes, pelos séculos, remetendo ao que há de supérfluo, frívolo, extravagante e estrambólico nos campos e nos hortos, nas casas e nas catedrais, nas prateleiras e nos quintais, nas mídias sociais e nas ruas comerciais. São os motivos universais vestidos de sua regionalidade, e aqui banhados nos fluidos do indizível, daquilo que ainda não tem nome.
Salta à vista, então, o que está nas beiradas. No lugar do foco nas peças centrais de uma engrenagem linear, forma-se uma história inteira de modo circular, em espiral, composta apenas de arranjos e combinações do que não é fundamental à estrutura. Como resposta ao axioma moderno "a forma segue a função", esses trabalhos lembram que, antes de tudo, é preciso existir a imaginação. São recortes mundanos: uns bichos que brilham, pórticos exuberantes para atravessar, quedas d'água fabulares para se banhar, feitiçaria das formas, figuras que liquefazem na abstração, revirando a fantasia, com bocas abertas e garras fullgás, na altura do pescoço, caçando o cangote, mexendo os olhos, prontas para dar o bote.
Rio de Janeiro, Brasil
Rio de Janeiro, Brasil
São Paulo, Brasil
São Paulo, Brasil
São Paulo, Brasil
Bréscia, Itália
São Paulo, Brasil
São Paulo, Brasil
São Paulo, Brasil
Gwangju, Coreia do Sul