O desafio para quem escreve sobre a obra de Tatiana Blass é dar conta da pulsação cromática de sua obra. Ela conquista o silêncio com cores que berram. É um colorido raro, diferenciado, mas feito de cores comuns, banais mesmo, beirando algumas vezes o kitsch. Falar da cor aí é falar de uma ousadia decorativa, de uma vontade desarmada de assumir um belo desconcertante. É desarmada no sentido de que nada em sua obra parece forçado ou artificial e é desconcertante porque é surpreendente. Como é possível uma pintura cool usando cores tão “cheguei”? Outra pergunta se apresenta diante dessas divagações iniciais: será o belo ainda uma denominação pertinente e desejada pela arte? Temo esta palavra por conta de uma certa inviabilidade metafísica. O tempo e as múltiplas idealizações retiraram dela qualquer pregnância de sentido. Mas como deixá-la de lado? Será possível dar-lhe alguma atualidade? Decorativo, então, é xingamento deliberado. Pobre Matisse. Cabe dizer, entretanto, que isto não aconteceu à toa; de fato um esteticismo vazio e uma cooptação frente às determinações do mercado levaram a esta situação complicada em que o belo perdeu espírito e o decorativo abriu mão de qualquer rigor estético. Para uns o belo é impotente porque não se deixa apreender intelectualmente, para outros ele é indesejável pois se deixa seduzir pelo brilho decorativo.
É neste território minado em que impotência conceitual e insatisfação ética mostram-se de imediato que queremos tratar da beleza nas obras em questão. Diante das colagens, pinturas, objetos e instalações de Tatiana Blass nos vemos sempre em alerta, nossos sentidos ficam despertos, atentos e mobilizados. Deparamo-nos com formas desengonçadas mas precisas. Uma mistura poderosa de desassombro e intuição parece conduzir suas ações plásticas. A intuição aí não funciona como algo espontâneo, fácil, que daria à sua poética um caráter um tanto ingênuo. Não. O que se apresenta é uma sabedoria quase física dos materiais, principalmente das cores, que funcionam por contrastes de textura e temperatura. Uma pintura muitas vezes feita com materiais comuns e que apela ao nosso sentido tátil. Cores exaltadas e tímidas convivem sem se acomodarem. São poucos os artistas jovens, hoje em dia, que assumem a pintura com o mesmo frescor de Tatiana Blass.
O belo é o que produz uma diferença em nossa liga sensível com o que está a nossa volta, com o que é exterior. A autonomia do belo vai se dar no mesmo momento histórico em que o homem assumia sua maioridade política e espiritual. Esta possibilidade do belo coincide com a experiência de um sujeito livre para sentir e julgar, capaz de se postar frente ao mundo sem os constrangimentos de uma racionalidade instrumental que nos distingue a priori o certo do errado, o artístico do não-artístico. Schiller sacou esta relação entre a autonomia do juízo estético e sua vocação política – o sentido pleno de liberdade. O livre jogo das faculdades, caro à experiência estética, corresponde ao livre jogo entre os cidadãos anônimos da polis moderna. Há que se compreender o belo como um acontecimento singular que se apresenta aos sentidos, à percepção, e nos mobiliza a ver o mundo, senti-lo, de modo diferenciado. O belo nos retira de uma indiferença perante as coisas e nos faz desejá-las sem consumi-las. O difícil, e esta foi a principal razão de seus atritos com a metafísica, é que a experiência do belo vai ser sempre um acontecimento singular, calcada no sensível, que não se antecipa nem se define a priori. Ele se apresenta e temos que estar a postos. Ele é sempre diferente, sendo sempre comum. É a diferença que se dá no meio do comum. Aqui voltamos aos trabalhos de Tatiana Blass, que quer o comum, nas suas cores, materiais, formas, para retirá-lo do reino da banalidade, da indiferença, do mesmo.
Muitas vezes suas peças se deixam contaminar por uma atmosfera kitsch, mas recusam o excesso sensorial. Há contenção sem sofrimento nenhum. A tonalidade afetiva que atravessa a obra mistura, curiosamente, alegria e tédio. Mas é um tédio que não inspira desapego, apenas um dar de ombros ao que não seja a presença gratuita e imediata da obra. É como se suas peças dissessem: pra mim tá bom assim. Baudelaire, guardadas as diferenças, acho que gostaria da atitude destas obras.
Outro aspecto importante que começa a aparecer em sua obra refere-se à relação entre pintura, colagem, objeto e instalação. Na verdade, creio que tudo leva a uma noção de ambiente, de criar um ambiente, uma atmosfera, onde a vida, a mais comum possível, possa ser vivida na sua estranheza originária. Seja na tela, seja fora dela, no espaço real, o que percebemos são campos de energia cromática e de formas sensuais que se propagam e nos abarcam. É um mundo de cores para ser sentido na pele. Vale dizer também que seus contos, suas pequenas peças literárias, dialogam de perto com tudo isso.
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