Uma nova geração de pintores brasileiros, entre 25 e 34 anos, é apresentada nesta exposição, Surge et veni, projeto da Millan para valorizar artistas em começo de carreira, alguns inéditos no circuito e outros em processo de assimilação pelo mercado. Isso justifica, de certo modo, o título da coletiva, inspirado numa passagem do Cântico dos cânticos, retrabalhada musicalmente por Monteverdi, em 1610.
No trecho em questão desse clássico poema de amor, uma jovem é convidada a conhecer os aposentos do rei Salomão. Trabalhadora rural, queimada de sol, a jovem é recebida com pompa e recompensada por sua persistência. “Surge, amica mea, et veni” [“Levante-se, minha amiga, e venha”], convida o tenor no primeiro moteto (Nigra sum) de Vespro della Beata Vergine, de Monteverdi. Nesse convite está implícita a poética promessa de que a estação das chuvas passará e que o inverno dará lugar à primavera.
“Surge”, desde o uso da tradução latina dos textos do Velho Testamento na obra de Monteverdi, incorporou novas metáforas. Em Monteverdi, o termo latino “surgere” tem o sentido original da Vulgata, de erguer-se, de ascender. Na mostra, ele entra associado à ascensão de cinco jovens pintores na aurora da vida profissional, nesse estado latente que o latim antigo definia como “latēre”, “estar escondido”.
Três desses artistas são paulistas: Bruno Neves, Lucas F. Rubly e Thiago Hattnher. As duas pintoras, Beatrice Arraes e Rayana Rayo, nasceram, respectivamente, em Fortaleza e Recife. Beatrice, a cearense, é a mais nova da turma. Rayana, a pernambucana, participou igualmente de exposições no Nordeste.
O que une dois dos três pintores paulistas, curiosamente, é o apego tanto à escola metafísica italiana (particularmente Morandi) como, mais remotamente, aos integrantes e seguidores de escola de Barbizon, assim conhecida por ter sido ativa (entre 1830 e 1870) na cidade de Barbizon, na fronteira da floresta de Fontainebleau, reunindo pintores de paisagens.
Mas, ao contrário dos pintores de Barbizon (Daubigny e companhia), Thiago Hattnher e Lucas F. Rubly não praticam a pintura “en plein air”, ou seja, ao ar livre, mas confinados em seus ateliês. São paisagens construídas com base na memória dos lugares, em particular (no caso de Hattnher) a estrada que liga São Paulo a São José do Rio Preto, onde passou a infância, rememorada em telas a óleo que registram as impressões remanescentes desse deslocamento. Suas obras mais recentes recriam capas de livros de artistas, como a que homenageia o músico e compositor norte-americano John Cage (1912-1992).
Já Lucas F. Rubly tem como interlocutor histórico o pintor inglês de vistas portuárias Alfred Wallis (1855-1942) e, entre os modernos, Morandi (1890-1964), evocando mesmo o clima das paisagens de Via Fondazza pintadas pelo italiano nos anos 1950.
Bruno Neves, o terceiro paulista, adota outras referências. O processo embrionário de sua pintura, em 2015, dirigiu seu olhar para artistas como Judith Lauand e Mira Schendel, além de nomes históricos do movimento neoconcreto (Lygia Clark, entre outros). Sua pintura, embora evocativa, sugerindo uma conexão com a paisagem circundante, é fundamentalmente ancorada na geometria.
Beatrice Arraes, que abriu recentemente sua primeira individual, em Fortaleza, pesquisa o design popular e incorpora signos gráficos dessa cultura. A memória da passagem do tempo é seu eixo temático, o que justifica o apreço também pela pintura de Morandi, tal qual os artistas paulistas aqui mencionados.
Rayana Rayo, filha de pintor, produz telas abstratas que, frequentemente, aludem a experiências existenciais (e, com efeito, seus autorretratos constituem uma forma de autoconhecimento, como em Rembrandt). Nesta exposição, ela mostra suas mais recentes pinturas, que operam num registro orgânico, visceral.
Londres, Inglaterra
Brasil
Milão, Itália
Porto Alegre, Brasil
Porto Alegre, Brasil
Porto, Portugal
Brumadinho, Brasil