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2024
Têta
Por
Amanda Rezende, Amanda Bonan, Jean Carlos Azuos, Marcelo Campos, Thayná Trindade

O processo artístico de Lidia Lisbôa se distingue pela sua imersão nas formas orgânicas que permeiam tanto a natureza quanto os corpos humanos, características presentes em suas intencionalidades estéticas, em sua performatividade, nas silhuetas emaranhadas e nas complexidades que contornam nossas existências. Esse interesse é profundamente informado por sua introdução precoce ao crochê, aos 6 anos de idade, em um ambiente impregnado pela presença influente de suas tias, figuras que desempenharam um papel seminal em sua jornada poética. O crochê, a costura, a argila e suas respectivas técnicas metamorfoseiam-se em instrumentos expressivos que facilitam uma conexão fluida entre o presente e o passado e evocam reminiscências coletivas do universo familiar nos ateliês de costura. Os materiais são lapidados pelas narrativas compartilhadas, que reúnem em suas tramas os saberes, os traumas e os segredos, revelando-nos uma obra que é, toda ela, cicatriz.

As memórias da infância de Lisbôa em Guaíra, Paraná, no sul do Brasil, desvelam uma miríade de elementos em suas composições, desde os cupinzeiros testemunhados na juventude até os cordões umbilicais dos irmãos, observados durante os partos. Além de refletirem os detalhes especiais do lugar onde cresceu, seus trabalhos misturam as emoções da família e as lembranças, até mesmo ancestrais, incorporadas pela própria artista por meio dos gestos, dos tecidos e das plasticidades transformadas em caligrafias, ora sutis, ora imponentes. A natureza presente em suas obras expressa mais do que se vê; por meio das metáforas visuais, Lisbôa nos conecta profundamente aos processos de urdiduras, de aninhamentos e de expressões também fabulatórias. Das formas evocativas das tetas, dos casulos e dos cupinzeiros que povoam suas criações emergem sugestões vívidas das flamas da natureza, sob uma perspectiva fértil, vital e nutridora.

Lisbôa não apenas emprega as materialidades em suas criações, mas também as incorpora em um ciclo perpétuo de criação e reinvenção, articulado à riqueza e à complexidade de seu repertório visual expandido e de seu próprio corpo, repleto de léxico, texturas e interpretações. Suas estruturas assemelham-se a órgãos prenhes de vida, que antecipam e celebram os múltiplos processos de fecundação, germinação e continuidade. A poética, assim, vai desfibrilando as tessituras das nossas relações com o mundo e os vínculos que sustentam a vida em dilatadas costuras e conformações.


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Texto curatorial da exposição Lidia Lisbôa: Têta, MAR – Museu de Arte do Rio, 2024