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2001
Un altro attimo
Por
José Damasceno

Poderíamos imaginar o fluxo de seiva no interior de todas as plantas, por toda parte ao mesmo tempo, neste momento... ou ainda a circulação sangüínea humana presente no mundo inteiro durante um intervalo de apenas três horas. Acompanhar a trajetória de alguma cédula, arbitrariamente escolhida, através das inúmeras negociações e, a partir deste rastreamento, possivelmente encontrar um desenho incomum. Poderíamos relativizar o funcionamento dos carros no mesmo instante em que se acende a luz de casa, intuindo o caminho e a presença da eletricidade necessária e do combustível deslocando-se por entre os motores e suas engrenagens. Ou conceber todas as ligações telefônicas, agora. Ou transações financeiras, computadores conectados, pessoas trabalhando, conversando, brigando, rindo, em diferentes línguas e códigos. Ou ainda reconhecer analogamente o movimento de todos os tipos de peixes e criaturas aquáticas diferentes pelos oceanos e profundezas. A realidade, ou o que se convencionou chamar de real, possui um sem-número de estratos, camadas, dimensões, densidades, estados, porosidades, canais, com uma brutal complexidade estrutural que se move, que cresce e se modifica segundo um outro imenso universo de pontos de vista distintos. Por algum motivo, penso na existência de uma população de imagens que habitam e sobrevivem em todos nós. Desta forma, a nossa própria imagem, por exemplo, habitaria, em “diversas” versões, a imaginação e a memória daqueles que nos conhecem. Seria uma estranha população de nós mesmos. Se multiplicarmos este fato por toda a gente à nossa volta, levando em consideração não apenas as pessoas, mas também os objetos, leis, procedimentos, lares, cidades, ruas, estradas, caminhos e, por extensão, as lembranças, amores, relatos, comportamentos, talvez nos aproximássemos de uma espécie de realidade imaginária impressionante, o que nos levaria a supor a possibilidade de podermos caminhar por entre esta zona sutil de aparência volátil, mas extremamente concreta em sua presença; densa em sua viscosidade imagética.Um hábitat constituído por infinitos mundos que se interpenetram num curioso entrelaçamento, superfícies que se dobram, se tocam, em perpétuas torções consecutivas que, na verdade, são rios, afluentes, fontes e cabeceiras psíquicas que fluem e deságuam incessantemente sobre oceanos espirituais, com suas correntezas, marés, calmarias, ondas e tempestades. Esta paisagem pode ser vislumbrada subitamente quando se anda em um bairro populoso de alguma grande cidade... cada apartamento, edifício, quarteirão abriga milhares de vidas, estórias, paixões, sonhos, idéias, misérias, tragédias, ódios, alegrias. São pensamentos e ações que se organizam num complexo caos vivo, repleto de desejos, sentimentos, de movimento enfim. Creio ser absolutamente fascinante viajar através destes lugares e descobrir a associação de elementos disparatados que de uma maneira estranha se aproximam. E perceber uma chance de derramar nossa identidade, dissolvendo-a no cosmos, tentando afirmar e ver as contradições, incongruências e conflitos que nos configuram neste mundo, ou apenas gozar o simples fato estarmos imersos numa circunstância completamente alucinatória e maravilhosa, numa tal substância a que chamam vida e que o contato com ela alguns chamam arte.

Porto, 18/6/2001