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2021
Vício impune: o artista colecionador
Por
Gabriel Pérez-Barreiro

Em um artigo de 1977, o artista Willys de Castro descreveu a coleção de arte como um “vício impune”, uma atividade compulsiva que tem “feito mais virtuosos do que pecadores”. Esta exposição, uma colaboração entre a Galeria Millan e a Galeria Raquel Arnaud, examina as coleções montadas pelos artistas como uma imersão única no campo de suas influências e afinidades. Os artistas escolhidos para esta exposição são aqueles para quem o ato de colecionar constitui parte essencial de sua prática, ato a partir da qual podemos aprender algo capaz de expandir nossa compreensão acerca de seu trabalho. Há tantos modelos de coleta quanto há artistas, e os nove diálogos apresentados no espaço de ambas as galerias apresentam um microcosmo do interesse de cada artista em sua história e no presente.

Artistas sempre colecionaram ao longo da história. Vale lembrar que Rembrandt colecionou objetos de história natural; os impressionistas colecionaram impressões japonesas; Picasso, Arte Africana; Matisse, tapetes orientais. Na atualidade, Jeff Koons é um dos mais ativos colecionadores de desenhos barrocos franceses e a coleção de arte afro-brasileira de Emmanoel Araújo é a base de um dos museus mais importantes do país.

As coleções dos artistas podem nos dizer não apenas sobre sua própria prática: o que eles vêem no trabalho de outros que os impacta, mas também estão frequentemente na vanguarda de reconhecer e valorizar fenômenos antes subestimados. Podemos, assim, perceber que Sérgio Camargo foi um dos primeiros a identificar o talento de Hélio Melo, um artista autodidata do Acre, de modo análogo a como outros artistas abstratos como Ben Nicholson apoiaram o trabalho de Alfred Wallis, um pescador autodidata da Cornualha, na década de 1950. Olhar para as coleções de artistas fornece um espelho duplo, refletindo aspectos da psique do artista que poderiam não ser evidentes e lançando luz sobre um sistema histórico de arte que é mais afetivo do que estilístico, mais intuitivo do que disciplinar.

Nesta exposição, há nove diálogos entre artistas e suas coleções. Estes foram escolhidos não pela semelhança, mas por sua diversidade de abordagens ao colecionar. Além da relação Camargo-Melo mencionada acima, temos uma gama de conversas artísticas que vão desde a abstração com a arte indígena (Willys de Castro) até a performance conceitual com o mergulho em alto mar (Artur Barrio). Em cada caso, temos coleções baseadas no diálogo artístico, em vez de especulação ou preocupações museológicas.

A exposição propõe que ao olhar para as conexões entre artistas e suas coleções podemos aprender algo novo sobre seu trabalho, tornando-nos ao mesmo tempo capazes de imaginar alguma história alternativa da arte: uma que está enraizada em afinidade e desejo em vez de conceitos cartesianos de progresso, desenvolvimento estilístico ou hierarquias estéticas.