{"id":9586,"date":"2023-11-13T16:54:30","date_gmt":"2023-11-13T19:54:30","guid":{"rendered":"https:\/\/millan.art\/?post_type=textos&p=9586"},"modified":"2023-11-13T16:54:30","modified_gmt":"2023-11-13T19:54:30","slug":"o-artista-naturalista","status":"publish","type":"textos","link":"https:\/\/millan.art\/textos\/o-artista-naturalista\/","title":{"rendered":"O artista naturalista"},"content":{"rendered":"

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Thiago Rocha Pitta n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 um observador da natureza; \u00e9 um artista empenhado em promover transforma\u00e7\u00f5es da mat\u00e9ria<\/span>. Sua a\u00e7\u00e3o consiste em fomentar encontros e armar as condi\u00e7\u00f5es para que elementos heterog\u00eaneos se toquem, se agreguem, entrem em combust\u00e3o e se consumam.\u00a0Com isso, trabalha a favor da corros\u00e3o de convic\u00e7\u00f5es.<\/span><\/p>\n

Desde a origem de sua pesquisa art\u00edstica, no come\u00e7o dos anos 2000, ele se relaciona com a natureza \u2013 seus elementos, for\u00e7a e temporalidade \u2013 nunca de forma representacional, mas experimental. Promoveu um embate entre fogo e \u00e1gua em um trabalho que tamb\u00e9m se revelou um retorno \u00e0 hist\u00f3ria da arte. Homenagem a William Turner (2002) faz uma releitura da tela Sepultura Mar\u00edtima, do pintor rom\u00e2ntico ingl\u00eas, em filme rodado em 16 mm, constru\u00eddo em dois planos-sequ\u00eancia que mostram um barco em chamas no mar.<\/span><\/p>\n

Em Projeto Para Uma Pintura Temporal #4 (2011), nas Cavalari\u00e7as do Parque Lage, no Rio de Janeiro, construiu uma instala\u00e7\u00e3o ambiental usando \u201cdados atmosf\u00e9ricos do lugar\u201d. Isto \u00e9, condicionou o acontecimento da \u201cpintura\u201d aos efeitos da umidade da galeria sobre o tecido manchado com limalha de ferro. O encontro prolongado da \u00e1gua com o ferro produziu uma paisagem erodida, em movimento inapreens\u00edvel a olho nu.<\/span><\/p>\n

Essa condi\u00e7\u00e3o temporal estruturadora do trabalho tamb\u00e9m entra no \u00e2mbito da hist\u00f3ria da arte quando, nos Mapas Temporais de uma Terra N\u00e3o Sedimentada (2015), Rocha Pitta come\u00e7a a trabalhar com a t\u00e9cnica do afresco \u2013 que desapareceu com o advento da pintura a \u00f3leo, no s\u00e9culo 15. \u201cEram, basicamente, mapas que se moviam, que n\u00e3o eram cristalizados. Mapas de uma terra que est\u00e1 se movendo\u201d, diz Rocha Pitta \u00e0\u00a0seLecT<\/b>. A inseguran\u00e7a \u00e9 outra dimens\u00e3o que corporifica o trabalho. Isso fica claro na s\u00e9rie Monumento \u00e0 Deriva Continental (2011-2015), que remete a eventos cr\u00edticos como movimentos tect\u00f4nicos, terremotos, avalanches e deslizamentos de terra.<\/span><\/p>\n

Os acidentes s\u00e3o t\u00e3o balizadores da obra de Rocha Pitta quanto os longos e lentos processos de forma\u00e7\u00e3o geol\u00f3gica. O artista tra\u00e7a um paralelo entre a elabora\u00e7\u00e3o do afresco, que leva tr\u00eas meses para se efetivar, e o processo natural do ciclo do carbono, que leva 100 milh\u00f5es de anos para acontecer. \u201cO afresco \u00e9 uma t\u00e9cnica geol\u00f3gica, mineral\u201d, sugere Rocha Pitta. \u201cToda chuva \u00e9 \u00e1cida. No processo geol\u00f3gico natural, a chuva fixa o carbono na pedra, que depois corre pelo rio e vai para o mar. Depois de enterrado, esse carbono org\u00e2nico volta \u00e0 superf\u00edcie com a erup\u00e7\u00e3o dos vulc\u00f5es. O afresco \u00e9 um processo, se n\u00e3o id\u00eantico, muito parecido. Se voc\u00ea pegar o carbonato de c\u00e1lcio e coloc\u00e1-lo no forno, depois debaixo d\u2019\u00e1gua, quando secar ele absorver\u00e1 carbono de novo da atmosfera.<\/span><\/p>\n

Termodin\u00e2mica e cosmogonias
\n<\/b>Thiago Rocha Pitta se\u00a0interessa pela qu\u00edmica e a geologia desde crian\u00e7a. Pensava em cursar geologia antes de prestar artes, mas desistiu, ao constatar que, no Brasil, os cursos s\u00e3o muito mais voltados para o desenvolvimento da economia do petr\u00f3leo e da minera\u00e7\u00e3o. O artista move-se por um interesse cosmol\u00f3gico e pelas narrativas de como funciona o mundo. Seu projeto de pesquisa art\u00edstica come\u00e7a com o estudo das divindades ct\u00f4nicas (da terra), da Gr\u00e9cia antiga, e chega ao mito de Pers\u00e9fone, quando se interessa pelo musgo que cresce sobre suas esculturas de cimento, instaladas ao ar livre.<\/span><\/p>\n

Filha de J\u00fapiter (Zeus) e de Ceres (Dem\u00e9ter), divindade da vegeta\u00e7\u00e3o e da terra, Pers\u00e9fone foi raptada por um Plut\u00e3o (Hades) apaixonado. Depois de procurar a filha durante nove dias e nove noites, Ceres deixou o Olimpo, negando-se a frutificar a terra. J\u00fapiter resolve a quest\u00e3o determinando que Pers\u00e9fone passaria um ter\u00e7o do ano com Plut\u00e3o, de quem se tornara esposa, um ter\u00e7o com Ceres e um ter\u00e7o no Olimpo. Assim, nascem as esta\u00e7\u00f5es do ano. Sua estada nos infernos subterr\u00e2neos corresponde ao inverno e sua volta representa a primavera.<\/span><\/p>\n

Dizendo-se tomado de um certo \u201cerotismo vegetal\u201d, Rocha Pitta come\u00e7a a trabalhar com mat\u00e9ria viva. A vida vegetal integra as esculturas da s\u00e9rie \u201cMonumento\u201d e \u00e9 assunto da s\u00e9rie de afrescos Paisagem Marinha com Cianobact\u00e9rias (2017). \u201cAs cianobact\u00e9rias (ciano, azul em grego<\/i>) est\u00e3o nas algas e em tudo que \u00e9 verde. H\u00e1 2,5 milh\u00f5es de anos eram a \u00fanica forma de vida na Terra e foram os primeiros seres vivos a fazer fotoss\u00edntese. Portanto, s\u00e3o o primeiro verde\u201d, diz o artista.<\/span><\/p>\n

Se \u00e9 poss\u00edvel pensar em linhagens de artistas na hist\u00f3ria da arte, pode-se afirmar que Rocha Pitta est\u00e1 impactado pelos mesmos processos de auto-organiza\u00e7\u00e3o da mat\u00e9ria e efeitos dos processos geol\u00f3gicos e industriais sobre a paisagem que interessavam ao artista norte-americano Robert Smithson. \u201cA arte contempor\u00e2nea ainda vende a falsa promessa\u00a0da arte longa e vida breve<\/i>. V\u00e1 a uma feira de arte nos EUA e veja os materiais usados. \u00c9 muito a\u00e7o inox, acr\u00edlico, pl\u00e1stico, material industrial que n\u00e3o tem \u2018tempo\u2019, promessas de nunca mudar\u201d, diz Rocha Pitta. \u201cO Smithson fazia uma cr\u00edtica radical disso j\u00e1 nos anos 1960. Ele trabalhava com a ideia de entropia (perda de energia), que \u00e9 o contr\u00e1rio da promessa de durabilidade dos materiais industriais da sociedade de consumo. Acho libertador o fato de ele colocar a entropia no centro da sua po\u00e9tica\u201d.<\/span><\/p>\n

\u00c9 nesse sentido inverso ao \u201cparadigma expositivo da feira, que determina que o trabalho tem de ser leve e transport\u00e1vel, tal qual mercadoria, de f\u00e1cil digest\u00e3o\u201d, que Rocha Pitta est\u00e1 criando um espa\u00e7o de arte entr\u00f3pica no meio do mato, a Funda\u00e7\u00e3o Abismo, em Petr\u00f3polis (RJ).
\nSil\u00eancio (2018), o primeiro projeto instalado no espa\u00e7o ao ar livre, j\u00e1 est\u00e1 \u00e0 merc\u00ea da intemp\u00e9rie. Em permanente modifica\u00e7\u00e3o, ele mostra que um acontecimento cultural n\u00e3o\u00a0<\/span>escapa \u00e0s leis e aos ciclos da natureza.<\/p>\n

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