Contador de histórias coloridas por inclinações e antipatias, Alex Cerveny é dos poucos artistas em atividade a travar um constante e obsessivo caminho pelas possibilidades técnicas e expressivas da gravura, e a engajar-se com a reprodutibilidade da imagem e suas idiossincrasias. Alex Cerveny: Palimpsesto apresenta um panorama de seu trabalho gráfico, cuja gênese remonta ao ano de 1981, data da obra mais antiga, quando o artista inicia estudos de gravura e impressão. Este conjunto de 44 gravuras e 16 matrizes de notável coerência estética manifesta as possibilidades da gravura como meio artístico. Provas de impressão e de estado são aqui apresentadas junto a tiragens numeradas, revelando os diferentes momentos do processo da gravura, que usualmente é limitada e exibida como uma imagem final. São obras em sua maioria pertencentes à coleção de Cerveny, e que trazem resquícios do silencioso trabalho de gravação da matriz, seus tropeços e hesitações, e exibem versões e alternativas usualmente vetadas ao olhar do público.
Seguindo um caminho bastante independente, apartado dos movimentos e agrupamentos de artistas e de instituições de ensino artístico que a década de 1980 viu surgir, Cerveny tomou como alicerce de sua produção narrativas bíblicas, mitológicas, bestiários fantásticos, Cornelis de Buijn, o universo do circo (vale lembrar que durante alguns anos atuou como contorcionista sob o cognome de Elvis Elástico), novelas, TeleCatch e canções latino-americanas. A atmosfera resultante desse conjunto heterogêneo nos remete à riqueza das iluminuras monacais do medievo, ainda que numa versão profana, e sugere uma deliciosa ambiguidade, um certo estranhamento, proveniente das rosas- dos-ventos, onças, fogueiras, caligrafias e hieróglifos que habitam suas invenções visuais.
Nesse sentido, podemos falar de uma qualidade fantástica presente na sua obra. Híbrido, múltiplo e fabuloso, o universo desenvolvido por Cerveny ao longo dos últimos anos apresenta possibilidades expressivas ainda por realizar-se: nada é o que parece ser. As imagens são construídas em camadas, acumuladas e sobrepostas; são histórias sobre histórias, tempos sobre outros tempos, imagens sobre imagens. Esse conjunto de sedimentos de todo desusado e pechoso produz um caleidoscópio de possibilidades, verdadeiros palimpsestos de significados. Ao contrário de Édipo e a esfinge no
encontro fatídico, para a apreensão das gravuras ora expostas não se faz necessário decifrá-las. Quiçá a decodificação de seus múltiplos atributos nem seja desejável, pois ao fazê-lo correríamos o risco de ser devorados por seus possíveis sentidos. O que interessa, portanto, é nos perdermos diante de um universo pessoal, cabeça de um mundo interior
que encontrou no papel seu espaço de materialização. Desorientados em meio à multiplicidade interpretativa de obras como Salomé, Cristianos y moros, Aquário e Carbono, acabamos por completar seus conteúdos com nossa subjetividade, multiplicando potencialidades expressivas numa sequência de indagações e questionamentos pessoais que nada tem a ver com as intenções originais do artista. Como o próprio declarou: “Minha ligação com a realidade vai pelo filtro do inconsciente. Meus desenhos evocam um monte de símbolos e signos, mas não gosto de ficar psicologizando em cima deles. Interpretá-los pode ser muito empobrecedor. A dúvida e o silêncio multiplicam seus significados.”
*texto escrito para a exposição Palimpsesto, realizada no Museu Lasar Segall entre junho e outubro de 2019.
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