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2022
Amor cortante em um tabuleiro de xadrez de seda
Por
Mateus Nunes

As obras de Fran Chang, pintadas com tinta acrílica sobre seda, convidam ao toque, à tentação de manusear os quadros, de colocá-los contra a luz em vários ângulos, de ver seus versos e de analisar a engenhosidade do encaixe das madeiras que compõem os chassis sobre a qual a artista deita o véu. Chang, ao utilizar esse delicado e inusual suporte, promove uma curiosidade sobre a própria plataforma da pintura, interrogando sobre as possibilidades técnicas e vislumbrando até onde pode-se ir.

Sabe-se que um ‘haikai’ é construído de duas partes sintéticas que, por mais que à primeira vista pareçam habitar mundos diferentes, são conectadas por um corte, o ‘kiru’. Esse corte, paradoxalmente, conecta esses dois universos e propõe a união entre duas imagens até então inconciliáveis.

Ao pintar um ardente céu nublado com nuvens como ilhas, como visto pela janela de um avião, a artista batiza sua obra de Você é a menina que você sempre foi. Em uma praia plácida, de céu limpo e com a linha do horizonte formada por uma cordilheira, encimada por uma lua distante e solitária, somos acompanhados pelo título Receio ser arrastado longe demais. A integração entre a sutileza da pintura sobre seda e a assertividade dos títulos é arrebatadora.

Chang também se debruça sobre a astrofísica – campo ao qual também se dedicou academicamente – e o enxadrismo em suas obras. Analogicamente à pintura das imagens da nefologia –estudo das nuvens–, intitula obras como Zeitnot e J’adoube, ambas expressões dos jogos de xadrez que servem para se remeter às relações com o outro, como se o amor fosse um jogo.

O primeiro termo, Zeitnot, caracteriza uma situação em que o jogador é pressionado pelo tempo, fazendo com que tome uma rápida decisão, como se as paredes que o cercam fossem rapidamente o asfixiando. A artista ilustra esse momento com uma vista superior de um claro céu azul repleto de nuvens com três grandes astros acima da linha do horizonte.

Já ao pintar um tórrido céu negro repleto de estrelas em uma profusa chuva de meteoros sobre o mar, com a lua no coroamento da composição, Chang traduz sua imagem com a segunda expressão do xadrez, J’adoube, utilizada quando um jogador anuncia que tocará nas peças dispostas no tabuleiro, sejam suas ou do adversário, para ajustá-las à melhor configuração.

Talvez essa seja uma preciosa descrição, fornecida pela artista, de como é o amor. Aviso que vou mexer em suas peças para que possamos fazer tudo da melhor maneira. A partir desses contrastes obtidos pela sutileza, Chang cria uma atmosfera imagética e poética, elevando-nos à estratosfera, onde o ar é rarefeito, assim como no momento do apaixonamento.