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2010
Matéria do mundo – matéria no mundo  
Por
Mônica Zielinsky

"Penso que a significação da obra reside no esforço para realizá-la e não nas intenções que se tem. Este esforço é um estado de espírito, uma atividade, uma interação com o mundo."                                                                                                                                                                                                                            Richard Serra, 1973

Como que projetada do âmago da terra para suas superfícies, a obra de Túlio Pinto invade o espaço com matéria, espaço ora de exposição ou da própria natureza. Subverte a compreensão tradicional de objeto escultórico, dos seus materiais e da física e traz com isso vestígios indeléveis da história da arte. Impossível ignorar as remissões de seu trabalho às obras de Carl Andre e às dos minimalistas, ao refutar o esculpido e optar por cubos superpostos de madeira, cimento ou reluzentes placas de metal. Concede aos materiais o lugar da matéria da sua arte. Através deles transtorna a lógica modelada da escultura, nega o traço autográfico e traz estes materiais à experiência direta, em seu estado bruto, sem dissimulações. Esta matéria é a substância essencial destes trabalhos, através da qual Túlio transtorna a gravidade, testa a potência de sua resistência, discute o equilíbrio e seu latente estado de suspensão e distensão.

É obra em que a tensão é uma constante e faz extravasar o trabalho para muito além dos próprios materiais dispostos no espaço. Faz pulsar esta matéria no mundo, pois sugere transcender todas as fronteiras de sua delimitação nos lugares onde as obras se expandem. Força os limites das paredes até os tetos, através de barras de madeira construídas por blocos que se estendem pelos cantos da sala, como se fosse possível perfurar coberturas; invade estas paredes pela ilusão de espelhos que fazem desdobrar estas barras para além dos limiares do espaço, ao gerar sua continuidade impossível.  Mas este estado de latência, como se sempre faltasse algo, leva o trabalho de Túlio para além do esperado. Sua obra cria ambientes inusitados, ao projetar-se na natureza através do estiramento de tecidos negros que levitam acima do solo, repuxados até seus limites, como sugados pelas forças invisíveis que se alastram em sua obra e discutem a matéria no mundo. A informação sensorial esbarra diante destes trabalhos, em uma situação de constante estranhamento; vê-se ela interrogada pelo abalo das certezas do conhecimento viciado; é incitada, ao contrário, a abrir-se às novas possibilidades da experimentação e à audácia de outras vias perceptivas que Túlio incita e deixa entrever em sua arte.

Esta obra move-se em direção à matéria no mundo, um estado de espírito, como diria Serra. Refuta o afastamento do senso de lugar e recupera-o, rejeita a substituição dos espaços físicos onde se situam nossos corpos e resgata-os através de sua sabedoria artística. Estes trabalhos clamam, enquanto matéria no mundo, a repropor a matéria do mundo. Nos lugares onde estas obras se tramam, o mundo é matéria - a que com intensa potência poética reconstrói um a um destes amortecidos espaços do mundo, em direção à sua libertação.