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05 Junho 2016
A pintura falando de si
Por
OSWALDO CORRÊA DA COSTA

A exposição “Vrido”, de Dudi Maia Rosa, em cartaz na galeria Millan, em São Paulo, trouxe-me à tona cinco breves ilações, três de fundo, duas de frente.

1. Em “Vanguarda e Kitsch” (1939), o crítico Clement Greenberg defendia que a única maneira de a vanguarda se sustentar frente à cultura de massa seria batendo em retirada para um plano mais elevado, o da autoinvestigação: a essência do modernismo reside em usar os métodos característicos de uma disciplina para criticar a própria disciplina –não com o objetivo de subvertê-la, mas de firmá-la mais fortemente na sua área de competência (Greenberg em “Pintura Modernista”, de 1960). Lá encastelado, cada meio de expressão poderia falar de si com autoridade insuperável. A pintura precisava purgar-se de tudo que fosse estranho ao meio, tal como a narrativa, a representação e o espaço ilusionista; seu assunto derradeiro deveria ser a tinta, a tela e o chassi.

2. Entre 1968 –ano politicamente turbulento no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos– e 1982 –quando a Documenta 7 de Rudy Fuchs reconduziu a pintura à posição de destaque– quase toda a vanguarda considerava pintura um meio ultrapassado. Nas exposições de vanguarda, só se via fotografia, vídeo, instalação, arte conceitual, “land art”. Quando a pintura voltou com vigor nos anos 1980, suas expressões mais interessantes pareciam entender que não se tratava de voltar nostalgicamente ao passado, como se nada tivesse acontecido, mas de fazer pintura consciente de sua sobrevida.

3. Em 1986, em seu texto “O Olhar Difuso: Notas sobre a Visualidade Brasileira”, o crítico Rodrigo Naves fala de como, nas paisagens de Guignard, as nuvens longínquas aparecem em primeiro plano, enquanto as montanhas próximas aparecem em segundo, invertendo a prática da perspectiva tradicional. Esse achatamento do plano pictórico demonstraria uma compreensão intuitiva de Guignard sobre os rumos preconizados por Greenberg.

4. Passados 30 anos, a brochura da exposição “Vrido” contém outro texto de Rodrigo Naves, um que ilumina o entendimento dessa obra saturada de luz. Guignard entra em cena novamente, pois três das obras expostas parecem aludir àquelas nuvens longínquas que aparecem em primeiro plano. Só que aqui não há nem perspectiva nem inversão; as obras de Dudi são relevos, e as sugestões de profundidade correspondem a variações reais. Não há montanhas, porque essas nuvens estão em toda parte. O assunto desses relevos de resina poliéster é pintura, e a crítica à perspectiva –usando os métodos característicos de uma disciplina, com consciência de sua sobrevida– gera esse unicórnio da arte contemporânea, a paisagem em relevo.

5. Um dos destaques dessa exposição sem arestas é um longo corredor onde, de um lado só, aparece uma sequência de 22 obras similares. Tema e variação, cadência e “ostinato”. São também bastante peculiares. O plano pictórico parece um plasma de garranchos lutando para se constituir, e a moldura faz parte desse plasma. Uma série que tem sua gênese em 1990, mas que segue até hoje. Nessas obras, a tinta, a tela, o chassi, até a moldura, são uma coisa só, amalgamada. É como se o artista tivesse reunido todos os elementos que Greenberg considerava o assunto derradeiro da pintura, adicionando a moldura, e jogado tudo em um poderoso liquidificador. Da maçaroca resultante funde-se um quadro inteiriço no qual os quatro elementos se unem, indiferenciados, sem hierarquia, sem a tradicional coadjuvação da moldura. Obras que falam de narrativa, representação e espaço ilusionista, sem utilizá-los; obras que falam de tela, chassi e moldura, sem utilizá-los. Aqui tudo é alusão, e nada é ilusão.

OSWALDO CORRÊA DA COSTA, 60, economista e escritor, dirigiu o espaço Coleção Particular (2010-13) e é autor de “Dudi Maia Rosa e as Mortes da Pintura” (Metalivros).