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03 Março 2008
O plástico, material usado em várias áreas da indústria, é a base das telas – e da arte – de Dudi Maia Rosa
Por
MARCELO REZENDE

O artista Dudi Maia Rosa, que expõe 22 novos trabalhos no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, guarda um extremo bom humor quando pensa em sua trajetória, iniciada nos anos 70. Aqueles foram anos de consolidação da extensa transformação na arte gerada na década anterior, quando uma série de ações, procedimentos e exigências colocou em xeque a primazia da pintura em uma civilização afogada em publicidade, TV e imagens de toda ordem. “Minha cruz é de plástico”, diz ele, e a frase é tão melancólica quanto risonha, funcionando como explicação e provocação para o público diante de suas telas.

A palavra telas é de início já uma armadilha, uma falsa pista induzindo ao erro. Isso porque há mais de 20 anos não se trata mais, para Dudi Maia Rosa, de tintas e cavaletes. Suas criações se desenvolvem a partir de outra técnica: ele constrói sua arte com fibra de vidro, sua base, e nela trabalha com resina poliéster, que dá a cor para a estrutura, e isso possibilita que ele use a mesma gramática da pintura clássica (o desenho e o uso de cores), ao mesmo tempo em que se afasta delas. Esta é a cruz de plástico do artista: ele precisa operar um milagre, uma fina operação, para colocar a pintura diante de chances e riscos que ela não tinha antes.

Contra a banalidade

O plástico, segundo o ensaísta francês Roland Barthes (1915-1980), é alguma coisa perdida “entre a efusão das borrachas e a dureza plana do metal”. Essa é uma das idéias usadas por Dudi Maia Rosa, para quem esse material “foi ser saco de lixo, imitação de couro, seios postiços, prancha de surfe, roupa, carro, barco, dinheiro, válvula de coração, teclado de computador”. E sua lista poderia seguir sem pausa, até que chegasse a esse território tão atraente quanto perigoso para qualquer artista que lida com suas ambições na arte: o novo, a vanguarda, o que nunca antes tinha sido imaginado e realizado.

Ver suas telas é como ter uma experiência instantânea de muitos dos dilemas atravessados pela arte brasileira nas últimas décadas. Em um país fortemente marcado pela idéia de construir uma tradição e uma história, a pintura tem sido constantemente raptada por um discurso extremamente conservador. Contra as “invencionices” dos artistas contemporâneos, ela seria uma espécie de reserva de nobreza, da técnica bem executada, do rigor quase religioso contra a banalidade do mundo e da cultura hoje. Mas agora essa postura pode ser colocada contra a parede, porque a pintura se mostra jovem, inventiva e contemporânea sem ser preciso que tenha vergonha de si mesma. A cruz de Dudi Maia Rosa é de plástico, mas sua vontade tem sido de ferro.

REZENDE, Marcelo – O plástico, material usado em várias áreas da indústria, é a base das telas – e da arte – de Dudi Maia Rosa In Bravo, Ano 11, março de 2008, #127, pg. 68.