Artigo publicado na revista Flash Art, no. 300, Volume 48
Nos últimos 30 anos, muitos críticos habituaram-se a avaliar o trabalho de pintores a partir do grau de desprendimento do artista em relação ao meio da pintura: “Estou pintando, mas sendo irônico em direção a ele”, “Tento me manter longe do meio”, “Eu realmente não acredito nele, é só uma ferramenta como qualquer outra”, e assim por diante. Seguindo este raciocínio, presume-se que o pintor esteja flertando com fantasmas, com uma tradição da qual ele não pertence. Para abordar esta atitude de não envolvimento, muito tem-se sido dito sobre a livre manipulação de formas históricas, e sobre a história se tornar um grande supermercado de estilos disponíveis para o pintor / editor / consumidor. Mas essa noção parece admitir que houve uma vez um tempo heroico, mítico, durante o qual a arte da pintura não era descentralizada, e os pintores poderiam ingenuamente aderir a ele sem desacredita-lo. No entanto, contra-exemplos podem ser encontrados na própria tradição: Manet e sua devoção ao divórcio com o passado; Tintoretto e seus hipérboles em quadrinhos; Poussin e seu maravilhoso cut-and-paste. Podemos aprender com eles que, talvez, pintores sempre tiveram este tipo de suspeita, esta atitude de manter uma certa desconfiança em relação ao seu próprio meio, e talvez citando formas que o passado sempre envolveu com ironia e devoção. Por isso, é impreciso confundir ironia e desengajamento, deslocamento e separação, porque sugere que cada pintura produzida a partir da manipulação de um repertório antigo tende a ser cínica e relativista. Certamente, este “fim da história”, cliché em voga na crítica dos anos 1980, teve sua raison d’être. Mas, por esta razão, eu gostaria de discutir brevemente a exposição “O Sol e a Diferença”, de Ana Prata, realizada na Galeria Millan, em 2014. Para mim, o comportamento dela em relação à pintura parece sugerir uma alternativa tanto ao pintor como um editor de estilos, um manipulador estéril, quanto à sua contrapartida como uma recuperação da imagem anti-histórica e afetada do pintor-herói.
A exposição reuniu um número considerável de pinturas recentes. Num relance, parecia lendo um capítulo de um livro sobre a história da arte moderna: cores primárias, formas geométricas (ou quase) – tudo estava lá. O cubismo analítico, o primitivismo, os ziguezagues, o monocromático. Quase todos em pequeno formato, as obras pareciam dissolverem-se na extensão branca da galeria, ao mesmo tempo em que convidavam ao exame individual. Ana Prata evita a abordagem da constelação, tão comum nos dias de hoje, e exibe suas obras de maneira tradicional: na altura dos olhos, apenas variando a distância entre as telas.
A obra Passeio de barco no canal (Paul Klee) era uma das poucas de grande formato, uma pintura horizontal de dois metros de altura por três metros de comprimento. O fundo azul claro, não-graciosamente aplicado, mancha a superfície e deixa duas faixas horizontais de lona nua dentro dos limites da pintura. Ao longo desta primeira camada, há um desenho simples, uma representação esquemática feita de linhas pretas: uma silhueta minimamente articulada de um barco, água, céu e da floresta. Somos confrontados com um colossal Paul Klee. Num primeiro momento, não sabemos se é uma apropriação ou uma emulação de seu vocabulário; ainda, sentimos a força desta mudança de escala, que transformou um fundo matizado em enormes manchas mal-educadas, e as pequenas e delicadas linhas em traços sensuais, American-type brushstrokes. Aqueles que, como eu e ela, estudaram arte olhando para reproduções – pequenas na página, gigantescas quando projetada – em vez de obras originais, estão familiarizados com este estado de entregar-se a devaneios sobre estas imagens; que representa o suporte, a estrutura, a superfície, a qualidade da tinta, sua reflectividade, a opacidade, a disposição em camadas, os pequenos acidentes; as dimensões nas rubricas tornam-se abstratas, e elas não significam muito: um Klee pode ser dimensionado para um outdoor e um Pollock a um minúsculo esboço. A pintura de Prata, como eu vejo, tentou incorporar esse hábito de misreading and mis-seeing, by misquoting, mis-painting, mis-everything. As faixas brancas nas fronteiras reforçam o efeito de ampliação, e podem ser experimentados como o limite borrado de uma imagem projetada. No final, a pintura exala um senso de humor melancólico: agora maior, o pequeno homem no barco parece ainda mais distante.
São Paulo, Brasil
Rio de Janeiro, Brasil
Le Puy-Sainte-Réparade, França
Gwangju, Coreia do Sul
Instituto Tunga
Boa Vista, Brasil
São Paulo, Brasil
Essen, Alemanha
Rio de Janeiro, Brasil
Nantes, França